quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

TRANSFORME

Irritações

Agarrado no sedimento arenoso, onde o rio desembocava no oceano, Lippe, o molusco, abriu gentilmente a sua concha, a fim de sugar água do mar, exatamente como vinha fazendo durante toda a sua vida. Dessa vez, entretanto, a água que corria pelo seu sistema de filtragem deixou um incômodo grão de areia em seu corpo. Ele não o conseguia deslocar. Nada que ele fizesse seria capaz de eliminar aquela partícula de sílica posta em seu corpo.

Apesar de o grão de areia não lhe ameaçar a vida, era deveras irritante. O dia do molusco ficou absolutamente Arruinado.

Dois dias depois, ficou óbvio que aquele grão de areia tinha se alojado ali, para ficar. Ficara encravado entre a carne mole da ostra e sua concha. O menor movimento de Lippe era suficiente para acentuar a irritação; mais ou menos, como uma pedrinha, dentro do sapato, cria uma dor crescente, à medida que se anda.

Todavia, ostras e seres humanos enfrentam irritações, reagindo de maneira bastante diferente. Podemos tirar o sapato e retirar a pedrinha; a ostra não pode desfazer-se de sua concha, a fim de extrair o grão de areia. Por isso mesmo, o Criador proveu a ostra de uma secreção especial, cujo nome é nácar. Mais ou menos, como uma aranha, pode expelir material, para armar sua teia, a ostra pode secretar o nácar, em redor do fator de irritação, a fim de abrandar ao incômodo.

Dotado de um instinto, dado pelo Criador, Lippe formou um cisto protetor, em redor da substância estranha, e foi revertendo sistematicamente o grão de areia, com sua secreção . Isso embotou as arestas cortantes do grão. Mesmo assim, o fragmento de sílica continuava exercendo pressão contra a carne da ostra. Lippe, então, liberou maior quantidade de secreção, envolvendo o grão de areia com uma segunda camada de nácar. Os meses arrastavam-se e tornaram anos, mas a irritação não se ia. Embora agora o nácar tivesse formado uma proteção interna, de tal volume, que o molusco sentia como se alguém estivesse pressionando um dedo em seu lado.

Lippe sentia-se derrotado. Apesar de todo o seu duro trabalho, o fator de irritação havia aumentado de volume.

Ele estava certo de que aquela imensa excrescência o havia tornado um fenômeno anormal. "Ninguém, jamais, haverá de me querer", lamuriava-se. Quando o apanhador de ostras lançou a sua caçapa e retirou Lippe de sua incrustação, no sedimento do fundo do mar, não ofereceu resistência. O senso de depressão havia substituído o deleite da vida. E ele costumava pensar: "Haverá algo pior do que estes últimos sete anos de sofrimento?"

Na manhã seguinte, o preparador das ostras cortou o músculo, que mantinha juntas as duas metades da concha, e deixou a ostra escorregar para dentro de uma tigela. A cozinha explodiu com um grito de excitação: "Vejam só o que eu encontrei! É a maior pérola que já vi. Vale uma fortuna!". A maneira como aquela ostra havia trabalhado a causa de sua dor tornara-se fonte de prazer e alegria para outrem.
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"Os sofrimentos podem produzir mágoas e tristezas ou pérolas de extraordinário valor."

Fonte: LUZ, Daniel C."Insight".São Paulo:DVS Editora Ltda, 2001.

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